Pedro Hispano e o primado da Lei

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Aos olhos dos nossos antepassados, a maior parte dos fenómenos da Natureza terá parecido impossível de prever. Nos primórdios da civilização, e dado o desconhecimento da Natureza, era natural atribuir os fenómenos a divindades. Em particular, as calamidades eram frequentemente interpretadas como sinal de que os deuses teriam sido ofendidos de alguma forma.

Na antiga Grécia, foi com Tales de Mileto (c. 624 – 546 a. C.) que as coisas começaram a mudar. Surgiu a ideia de que a Natureza segue princípios coerentes que podemos decifrar, e que portanto pode ser compreendida sem a necessidade de recorrermos a justificações teológicas. Difundiu-se assim a noção de que o Universo possuía uma ordem interna que poderia ser compreendida através da observação e da razão.

Alguns séculos mais tarde (por volta do séc. III a. C.) a escola dos filósofos estóicos estabeleceu uma distinção clara entre leis humanas e leis naturais. Esta noção perdurou durante muitos séculos, tendo influenciado muitos pensadores até ao séc. XIII. De facto, São Tomás de Aquino (c. 1225 – 1274), um dos primeiros filósofos cristãos da Idade Média, adoptou esta visão e utilizou-a para defender a própria existência de Deus como causa última para a razão pela qual a Natureza se comporta de determinado modo.

Pedro Hispano (c. 1215 – 1277), o único Papa português (João XXI), foi companheiro de estudos de São Tomás de Aquino e, apesar de estudioso reconhecido, rejeitou a ideia de que o Universo pudesse ser regido por leis naturais indiferentes à noção de Deus (porque isso atentaria contra a omnipotência de Deus). Por sua indicação, o bispo de Paris Étienne Tempier fez publicar uma lista de 219 heresias pelas quais se deveria ser condenado.

É irónico que uma dessas heresias fosse acreditar ou defender que a Natureza obedece a leis, porque meses mais tarde, Pedro Hispano foi vítima directa da Lei da Gravidade, tendo morrido soterrado pelo tecto do seu palácio que desabou.

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Livros a não perder (2)

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“O Cosmos é tudo o que é, alguma vez foi, ou alguma vez será”.

Assim começa esta obra extraordinária de Carl Sagan, editada em 1980 e acompanhada pela série televisiva com o mesmo nome. Quando foi editado, o livro esteve 70 semanas consecutivas na lista de best-sellers do New York Times, tendo-se tornado na altura no livro de divulgação científica mais vendido de sempre.

Posso dizer que foi a obra que definitivamente me levou a escolher a Astrofísica como ramo da ciência ao qual me iria dedicar enquanto cientista e universitário. Hoje sabe-se que de facto a obra de Carl Sagan é responsável por ter atraído milhares de jovens em todo o mundo para a profissão de astrónomo/astrofísico. No meu caso, foi totalmente impossível não seguir esta área de especialização, até porque uns poucos anos depois de ter lido o livro e ter visto a série televisiva, para meu espanto, recebo em casa uma carta da The Planetary Society assinada por Carl Sagan (seu fundador), convidando a tornar-me membro da sociedade. Fiquei pasmado e tornei-me membro entusiasticamente.

Naturalmente, e depois de ter sido exposto a esta obra que me marcou profundamente, eu só poderia seguir um caminho na universidade: tirar uma licenciatura em Física Teórica, e seguir investigação científica (mestrado e doutoramento) em Astrofísica. E assim fiz…

Passaram já 35 anos sobre a edição deste livro, e durante este tempo o mundo assistiu a incríveis avanços no ramo da astrofísica. Mas é espantoso que a quase totalidade do que é afirmado no livro não necessite, ainda hoje, de qualquer actualização científica. Só ao alcance de mentes brilhantes…

Obra para ler e reler…

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A que distância fica o horizonte?

Nunca se perguntou a que distância está a linha do horizonte quando, por exemplo na praia, olhamos o mar? Ou quando numa viagem de avião, com céu limpo, nos apercebemos da curvatura da Terra? A que distância estará nesse caso o horizonte? Na verdade, encontramos a resposta a esta questão na geometria. É tão simples quanto isso.

Com base na figura abaixo, vamos ver o exemplo de um satélite (O) em órbita da Terra, a uma altitude h. A linha de horizonte (OT) é a linha que é tangente à superfície terrestre em T, o que implica que a distância do observador em O ao seu horizonte é a distância d.

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O horizonte de um satélite artificial da Terra que se encontra numa órbita de altitude h.

Para simplificar, vamos ignorar a refracção atmosférica e admitir que a Terra é uma esfera perfeita. Considerando o triângulo rectângulo definido pelo centro da Terra e pelos pontos O e T, o teorema de Pitágoras permite afirmar que:

(R+h)^2 = R^{2} + d^{2}

Dado que conhecemos o valor do raio da Terra (R) e a altitude da órbita (h), podemos daqui determinar a distância d:

d = \sqrt{(R+h)^2 - R^{2}}

Mas qual será a distância ao horizonte, medida sobre a superfície terrestre? Nesse caso, estamos a falar da distância D. Mas para a calcular, precisamos de determinar o ângulo que os dois raios terrestres R fazem entre si (ver figura). Na verdade, é muito fácil porque a tangente desse ângulo (que designaremos por \theta) é tal que:

tg(\theta)\times R = d.

Assim o ângulo \theta é dado por

\theta = arctg(\frac{d}{R}).

Agora já estamos em condições de determinar a distância D, notando que o ângulo \theta está para 360° como D está para o perímetro da circunferência, dado por 2πR:

\frac{D}{2 \pi R} = (\frac{\theta}{360}),

ou seja,

D = 2 \pi R (\frac{\theta}{360}).

 Já está! Sabemos calcular as duas distâncias ao horizonte (d e D), para cada altitude h. Vamos dar dois exemplos:

Exemplo 1: Estação Espacial Internacional, numa órbita de altitude h = 350 km. Neste caso, os cálculos determinam que um observador veria a linha de horizonte a uma distância d = 2142 km, e sobre a superfície terrestre, a uma distância D = 2066 km. Imaginando que a Estação Espacial Internacional se encontra à vertical de Lisboa, um astronauta a bordo veria então o horizonte sobre La Valletta em Malta e Trípoli na Líbia. Conseguiria ver o Funchal (a 973 km) , Ponta Delgada (a 1450 km), Paris (a 1454 km), ou Munique (1968 km) para dar apenas alguns exemplos.

Exemplo 2: Uma pessoa de 1,75 m de altura a olhar o horizonte na praia, com os pés na água. Neste caso, temos h = 1,75 m e o horizonte encontra-se a uma distância de apenas 4,72 km.

Nestes dois exemplos usámos o valor R = 6378,1 km para o raio equatorial terrestre. Efectue estes cálculos para diferentes alturas e altitudes, mas também para diferentes valores dos raios. Experimente ver que valores obteria se estivesse na Lua ou em Marte. As fórmulas aqui referidas estão contidas numa folha Excel que preparei e que pode descarregar aqui. Divirta-se!

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Quando a Lua salvou Cristóvão Colombo

Rezam as crónicas que em finais do mês de Fevereiro de 1504, e depois de uma navegação muito difícil sob uma violenta tempestade, Cristóvão Colombo e os seus homens terão dado à costa da Jamaica para descansar, mas estavam praticamente sem mantimentos e água potável. Colombo decide então apelar às populações locais para obter víveres e refazer assim um aprovisionamento.  Mas, os chefes das tribos dos índios das Caraíbas recusam-se a fornecer o que quer que seja.

Vendo-se ameaçado de fome, Colombo previne os índios que no dia seguinte ao final do dia, caso não colaborem, a Lua se esconderá num banho de sangue. No dia seguinte, dia 1 de Março de 1504 à hora prevista, não tendo havido mudança de atitude dos índios, a Lua cheia nasce no horizonte, e progressivamente, ganha uma coloração avermelhada até desaparecer. Assustados, os índios deram imediatamente o que tinha sido pedido por Colombo.

Cristóvão Colombo usou assim um eclipse da Lua (do qual tinha conhecimento prévio) para obter o que necessitava. Pergunto-me se Hergé não se terá inspirado neste mesmo episódio para a forma como o Tintin salva o Prof. Tournesol e o capitão Haddock (salvando-se a si próprio também) de uma imolação pelo fogo às mãos dos Incas na aventura “Le Temple du Soleil”…

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A formação de estrelas…

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Hoje sabemos que a matéria ordinária (galáxias, estrelas, planetas, etc..) não deverá representar mais do que cerca de 5% do Universo observável (os outros 95% são matéria e energia escuras). Mas é inegável que o elemento central por excelência desse universo observável são as estrelas. Existem milhares de milhões de galáxias, mas as galáxias são elas próprias constituídas por milhares de milhões de estrelas.

Consequentemente, entender como nascem, vivem e morrem as estrelas é, na verdade, compreender os building blocks da arquitectura deste nosso cosmos. Em última análise, é também perceber os planetas que se podem formar em torno delas, e como poderão desenvolver, ou não, condições para o aparecimento de vida, incluindo aquela que desenvolveu consciência: a espécie humana.

Começámos a desvendar o mistério em torno do que são as estrelas com o aparecimento da fotografia astronómica, associada à capacidade de registarmos os espectros resultantes da decomposição da sua luz. Tal permitiu-nos compreender que as estrelas são, afinal, feitas de gás muito quente, responsável pelas chamadas riscas espectrais que observamos, e que constituem verdadeiras assinaturas das espécies químicas ali presentes. Uma estrela como o Sol é essencialmente feita de Hidrogénio e Hélio, contendo também várias outras espécies, mas em quantidades residuais.

Apesar da especulação teórica sobre a natureza das estrelas ser já muito antiga, a verdade é que enquanto ramo experimental o estudo da formação de estrelas só nasceu em meados do séc. XX, mais concretamente a partir dos anos 40. Numa série de entradas deste blogue iremos abordar este ramo da astrofísica que visa explicar como e por que razão se formam estrelas, ramo que conheceu um desenvolvimento extraordinário nas décadas mais recentes.

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O Foguetão de Cyrano

O que têm em comum Isaac Newton (1643-1727) e Cyrano de Bergerac (1619-1655)? Ambos dispensam apresentação: para além da invenção do cálculo infinitésimal e da Lei da Gravitação, Newton é reconhecidamente quem desenvolveu as Leis que regem a Mecânica Clássica. Por seu lado, Cyrano foi um soldado, duelista, arrojado poeta e autor francês que se tornou num ícone da literatura libertina da primeira metade do séc. XVII. Vejamos uma curiosidade que os une…

As primeiras lendas conhecidas relatando voos espaciais remontam à antiga Babilónia. Placas de argila datadas de 2350-2180 a. C. descrevem Etana, um poema épico assírio-babilónico. Etana voa no dorso de uma águia muito alto no céu em direcção a Ishtar (o planeta Vénus), até a águia ficar exausta e cair de volta para a Terra. Na antiga China, a deusa Cheng-O terá voado até à Lua ao ingerir um elixir mágico, e na Grécia antiga a lenda de Ícaro é sobejamente conhecida. Ícaro tentou chegar aos céus usando asas fixadas ao seu corpo com cera, mas esta derreteu quando se aproximou demasiado do Sol. Os antigos gregos também produziram as primeiras novelas acerca de viagens à Lua, Vera Historia e Icaro-Menippus, ambas escritas cerca de 160 d. C.

Podemos dizer que, ao longo dos séculos, o uso de animais foi claramente o recurso literário preferido para imaginar os voos espaciais. São exemplo disso os quatro cavalos vermelhos puxando um coche até à Lua na obra Orlando Furioso do poeta italiano Lodovico Ariosto (séc. XVI), e o bando de cisnes treinados levando numa cadeira o viajante lunar da obra Man in the Moon (1638) da autoria de Bishop Francis Godwin. Ocasionalmente, também são referidos meios mecânicos, como por exemplo uma catapulta puxada por um mamute na obra Iter Lunare or a Voyage to the Moon (1737) de David Russen.

Tendo a pólvora sido inventada na China do séc. IX, e introduzida na Europa por volta do ano 1200, é extraordinário que, durante todo este tempo, apenas uma única obra faça referência aos foguetes (fogo de artifício) como forma de tornar possíveis os voos espaciais. Trata-se precisamente da obra Voyage dans la Lune, escrita em 1649 por Cyrano de Bergerac. Neste seu livro, uma das várias máquinas voadoras que imaginou consistia numa caixa contendo vários pequenos foguetes de fogo de artifício atados em conjunto, partilhando um rastilho comum. Contudo, esta máquina não teria chegado à Lua uma vez que os foguetes arderam depressa demais e a máquina caiu de volta para a Terra. Obviamente, Cyrano descreveu esta máquina enquanto autor satírico e não enquanto cientista, mas esta é provavelmente a primeira vez na história que, dando asas à imaginação, alguém faz referência à propulsão por meio de foguetes para concretizar voos espaciais. E aqui entra Isaac Newton…

A propulsão, seja ela conseguida a partir de gases expelidos (como nos foguetões ou nas turbinas dos aviões a jacto), ou até a partir da água como fazem as lulas e os mexilhões, baseia-se na chamada “Lei da acção e reacção”, uma das 3 Leis que Newton enunciou e que constituem um dos pilares da Física Clássica: a Dinâmica dos corpos materiais. A 3ª Lei de Newton (ou 3ª Lei do Movimento) diz-nos que para cada acção ou força existe uma reacção de igual intensidade e de sentido oposto. Esta lei explica assim que uma lula se desloca para a frente expelindo água para trás, tal como um avião a jacto se move expelindo gases a alta velocidade.

Um foguetão funciona na base do mesmo princípio, mas com uma vantagem em relação aos aviões a jacto: enquanto este último se baseia num reacção de combustão, necessitando do oxigénio do ar, a propulsão no caso de um foguetão ou de um foguete de fogo de artifício dá-se sem oxigénio atmosférico. É por esta razão que, por muito rápido que possa ser um avião a jacto, nunca poderá ser usado para voos espaciais, na medida que fora da atmosfera não há oxigénio para alimentar a reacção de combustão. Já um foguetão, ou mesmo um pequeno foguete à base de pólvora não tem esse problema. De facto, a pólvora foi a primeira substância descoberta cuja combustão não utiliza o oxigénio atmosférico. Resumindo, Cyrano imaginou um voo espacial baseado numa forma de propulsão que é própria dos foguetões que conhecemos desde o início da era espacial em meados dos anos 50 do séc. XX.

Sendo a propulsão fundamentada pela 3ª Lei do Movimento, é notável que o salto imaginativo de Cyrano tenha sido dado cerca de 30 anos antes de Newton a ter enunciado!

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A Lua Inuit

Muito antes da invenção da escrita ou da construção de instrumentos de observação, o céu já era fonte de cultura entre as civilizações do mundo antigo. Habitantes de ilhas tiveram que recorrer à navegação com o auxílio das estrelas do céu nocturno, enquanto comunidades agrícolas utilizaram as estrelas e a alternância dos dias e das noites para tentar determinar as épocas para semear e colher. Os sistemas ideológicos ligaram desde cedo os corpos celestes a objectos, eventos e ciclos de actividade, quer no mundo real quer no mundo mitológico.

Esta imagem mostra uma máscara evocativa do espírito da Lua, segundo a cultura Inuit (povo do norte do Canadá que habita o círculo polar árctico). A placa que torneia a face da Lua representa o ar, e sobre a placa dois anéis representam os níveis do cosmos. Sobre eles encontram-se fixadas penas que representam as estrelas. A Lua aparece-nos assim como astro central nas lendas da civilização Inuit, ao contrário do que é habitual noutras civilizações como a egípcia ou os maias, onde o astro predominante é o Sol. É uma variação interessante. Mas porque será?

Na realidade, os Inuit habitam em latitudes tão a norte que a Lua se torna o astro mais importante sob vários aspectos: como sabemos, o verão no árctico é muito breve, devido às condições meteorológicas nestas latitudes. Por outro lado, dado que o inverno é muito longo e muitas vezes dominado por mau tempo, o céu é escuro durante a maior parte do ano. Assim, não é de estranhar que estrelas e planetas sejam menorizados uma vez que é muitas vezes impossível contemplá-los: durante o verão devido ao Sol e durante a longa noite de inverno devido ao luar ou ao mau tempo. O Sol está portanto essencialmente ausente, e é a Lua que ganha relevância na cosmologia da cultura Inuit.

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Acerca da Astronomia…

Cito aqui um desconhecido, autor desta afirmação que vi em tempos afixada num placard do Observatório Astronómico de Lisboa:

Astronomy is filled with uncertainty, wild guesses, and earth shattering conclusions drawn from crazed, passionate, frentic evenings… In other words, it´s like love.

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Livros a não perder (1)

Hoje lembrei-me de tirar da estante e voltar a ler uma obra prima de divulgação científica no domínio da Física Quântica, escrita na década de oitenta pelo físico Heinz Pagels. Na altura era professor de Física Teórica naRockefeller University e presidente executivo da Academia das Ciências de Nova Iorque. Pagels faleceu prematuramente em 1988 devido a uma queda durante uma escalada perto de Aspen (Colorado), e deixou-nos 3 obras de divulgação científica. O Código Cósmico foi o seu primeiro livro, publicado em 1982.

O livro faz uma descrição de como, no início do século XX, um conjunto de físicos notáveis mudou a forma como vemos e compreendemos o universo. Pagels organizou o texto em 3 partes, começando por relatar como Einstein revolucionou a Física, abrindo caminho para o desenvolvimento da teoria quântica do átomo. Na segunda parte, é feita uma viagem ao interior da matéria, revelando a estrutura íntima dos hadrões que compõem os núcleos dos átomos, e que são feitos de quarks. Desta viagem imergem as leis básicas que unem as forças da natureza, cuja compreensão exige a síntese da teoria quântica e da teoria da relatividade restrita de Einstein. O resultado dessa síntese, que descreve como se criam e aniquilam partículas quânticas, representa um dos feitos intelectuais mais espantosos do século XX, mudando radicalmente a noção que temos da realidade e do mundo material que nos rodeia. Pagels conclui a obra com uma reflexão pessoal sobre a natureza das leis físicas e a forma como os físicos as descobrem.

Ao longo do livro, Pagels revela alguns episódios engraçados dos físicos famosos, e ilustra as suas considerações com exemplos divertidos. Não resisto a deixar aqui um dos exemplos. A certa altura no texto, referindo-se ao facto de os átomos existirem em tão grande número, Pagels afirma que é quase certo que o leitor ao inspirar o ar à sua volta inspire pelo menos um dos átomos deixados pelo imperador Júlio César no seu último fôlego quando foi assassinado! Parece brincadeira, mas de facto não é. Pagels não explicou porquê, mas explico eu:

A verdade é que, quando respiramos normalmente, inalamos ou exalamos cerca de 1024 átomos. Admitindo que Júlio César exalou esta quantidade de átomos, e que os átomos se espalharam por toda a atmosfera terrestre, digamos numa camada com 100 metros de espessura, é muito provável que possamos inalar pelo menos um destes átomos. O volume desta camada de ar atmosférico é dado por

V=4 \pi R^{2}E

onde R é o raio da Terra, e E a espessura da camada de atmosfera. Isto dá V = 5,1 x 1016 m3, o que significa que a densidade (aqui designada por n) dos átomos exalados por Júlio César e espalhados pela atmosfera seria de

n=\frac{10^{24}}{V}

o que dá aproximadamente 20 milhões de átomos por metro cúbico! Imagine à sua volta um cubo de ar atmosférico com 1 metro de lado. Nesse espaço encontram-se 20 milhões de átomos exalados por Júlio César. Por se tratar de uma quantidade muito inferior ao número total de átomos existentes num metro cúbico de ar, é razoável esperar que esses 20 milhões estejam bem misturados, razão pela qual é mesmo provável que o leitor inale alguns desses átomos à sua volta. E esta?

Passados quase 30 anos sobre a sua publicação, permanece um livro de leitura absolutamente obrigatória para quem se interesse por estas matérias. A não perder…

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